Coração Aflito

Coração Aflito


Este texto escrevi pensando em amigas queridas que tem filhos onde o basquete corre nas veias e, com um futuro promissor e brilhante pela frente se não forem sufocados e super-protegidos. Vejo-as com o coração em pranto e aflito porque, chegou à hora deles alçarem um vôo mais ousado e longínquo.

Sempre digo que sou uma mãe “diferente”.
Encaro a realidade e a vida de uma forma racional, direta e sem subterfúgios. Meus filhos saíram de casa muito cedo, o mais velho com 14 e o mais novo com 13, ambos buscando fazer do basquete sua profissão e, tendo-o como projeto de vida.

Durante estes 5 anos, em momento algum chorei ou fiquei depressiva por sentir saudade dos filhotes ou, por tê-los deixado sair debaixo das minhas asas. Fico aflita sim, quan- do estão doentes, até o momento em que estão diagnostica- dos e medicados, mas nada com escândalos. Já chorei e me emocionei muito vendo-os em quadra e dando o melhor de si, fazendo com maestria (para a idade) aquilo que os moti- vou a abandonar o conforto, mordomias, geladeira farta, roupa impecável e “cardápio opcional”.

Este “sair de casa”, a distância mais curta que nos distanci- ava foram 450 km. Portanto, tinha que confiar cegamente na educação que lhes dei, nas orientações sexuais, na civi- lidade e sociabilidade.

Drogas?? Para isto não precisam sair de casa. O martelo é batido constantemente sobre este assunto, mostrando nua e cruamente o que os espera se resolverem enveredar por es- te caminho. A opção será única e exclusivamente deles. O remorso de não ter dito “isto ou aquilo” para os filhos eu não carregarei comigo até o túmulo, porque, doa a quem doer, é na lata, escreveu não leu, o pau comeu.

Sempre me preocupei em saber se tinham alimentação dis- ponível. O tipo? nada de frescura. Tendo arroz, feijão, mas- sa, leite, frutas, verduras, legumes e carne do tipo que vier engole, está excelente e perfeito. Alguns podem pensar: que mãe desnaturada. Digo-lhes e garanto que não. Fazer boquinha porque não quer comer isto ou aquilo?? nada disto. Eis que chegou a hora de lembrá-los do dia em que mudarão de país, outra cultura, outra comida...tudo dife- rente. E aí, vai morrer de inanição porque no cardápio há apenas o que sempre refugou??

Até hoje lembro-os constantemente para não fazerem de uma formiga um elefante, não simularem dores ou lesões fictícias, porque, no dia que tiverem realmente com algum problema ou lesão, ninguém vai acreditar.

Lembro-os a cada telefonema, conversa no MSN, skipe ou olho no olho de palavras ditas por uma conhecida virtual(Tel): encapa o bicho (usar camisinha). Digo-lhes que uma gravidez não planejada é insanidade, porém, dos males o menor.... AIDS, além de insanidade é assinar a sentença de morte e jogar todos os sonhos, projetos e metas na lixeira.

Jamais lhes pergunto ou digo: Estas com saudades de casa? Estou morrendo de saudades. Lembra da comida da ma- mãe? Queres voltar para casa? Queres abandonar o bas- quete? Fazendo isto, estarei induzindo-os a melancolia, a tristeza e ao choro e, nada disto um atleta de alto rendimen- to precisa ou deve passar por palavras mal ditas por pai ou mãe.

Incentivo-os sempre, cobro postura, determinação e evolu- ção em quadra. Afinal de contas, foi para isto que saíram de casa. Se é para passear e ir em festas, que voltem imedia- tamente para casa. Lembro-os sempre que, quem manda em quadra é o técnico e o árbitro, portanto, mesmo que es- tejam errados, “durante” o jogo é hora de calar a matraca e seguir as orientações.

Digo-lhes sempre para não esconderem absolutamente na- da, por menor que seja. Porque, este “pequeno” pode virar em proporções incontroláveis e irremediáveis.

Mãe de atleta tem que saber que as lesões são companhe- iras fiéis dos filhos, as verdadeiras amantes. Torceu, que- brou, rompeu... aconteceu.. nada de churumelas, lamúrias e dramalhões. Não há nada que um médico e fisioterapeuta não dêem jeito.

Mãe de atleta tem que saber que nem sempre o filho está disponível para a família quando nós queremos ou achamos necessário. Se ele ficar alguns dias sem dar notícias, nada de desespero, notícia ruim vem a galope.

Mãe de atleta tem que saber que uma equipe é formada por cinco jogadores mais o banco. O filho, é apenas mais um, que lute pelo seu espaço e adquira a confiança do técnico e colegas mostrando jogo, respeito e resultado. Time onde tudo gira em torno de um atleta, a derrota, decepções e frustrações estão sempre de prontidão.

Se meus filhos são basqueteiros, no mínimo, tenho obriga- ção em saber as regras do jogo. Sou do tipo de mãe que xinga árbitro, técnico, mesários, filho... a equipe toda. Canto jogada, atuo na defesa, vibro com enterrada, lance livre, chute de 3, contra-ataque, bandejinha, uma jogada bem fei- ta, roubada de bola. Tem quem pense que pai e mãe devem apenas aplaudir e com absoluta moderação uma cesta do filho e olhe lá. Penso diferente e digo a razão: Se meu filho não consegue encarar a mãe na arquibancada, como haverá de encarar e enfrentar um ginásio lotado pela torcida adver- sária? E, eles que não se atrevam a olhar para mim, aí sim que o bicho vai pegar, afinal de contas, estão concentrados e focados no jogo ou no que rola na arquibancada?? Juro que tenho vontade de jogar a filmadora em quadra quando atleta olha para o pai na arquibancada para seguir as orien- tações dele.

Digo-lhes para jamais desistirem ante os obstáculos, entra- ves, perrengues, um jogo mal jogado, as cobranças infin- dáveis ou desilusões. A ordem é respirar fundo, rever os conceitos, treinar com mais afinco, determinação e postura. Se, chegar o dia em que decidirem com lucidez, propriedade e convicção que o basquete não era o que queriam, as por- tas estarão sempre abertas. Eles sabem que o único refúgio seguro é a casa que um dia deixaram para trilhar um cami- nho com as próprias pernas.

Mostro-lhes que a vida tem mais espinhos do que flores. Lu- gar de estrela é no céu, portanto, que a empáfia, arrogância e estrelismo não suba-lhes à cabeça.

Querer que meus filhos tenham a mesma mordomia que te- riam em casa é utopia. Querer mandar em técnico é burri- ce. Ocupar o tempo e o espaço de quem dá “suporte” por coisas ínfimas e tolas, é não deixar o filho andar com as próprias pernas. É atrapalhar e interferir no amadurecimen- to e comprometimento de tudo que foi acordado entre pais e filho no que dia que a porta foi aberta para ele começar a bater as asas rumo a um horizonte promissor. Talvez, re- pleto de glórias, dinheiro, fama, reconhecimento ou, abso- lutamente nada disto, só o tempo dirá.

O tempo também será meu álibi... nossos filhos jamais pode- rão dizer que não puderam tentar realizar o sonho de serem jogadores de basquete profissionais porque nós não os deixamos sair de casa ou os bitolamos.

(este texto foi postado pela 1ª vez em 13.09.07)

(Lélia-LMSPP)

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